Áudios inéditos mostram conversas entre pilotos e controle aéreo minutos antes de queda de avião em Vinhedo; OUÇA
03/08/2025
(Foto: Reprodução) Queda de avião em Vinhedo: áudios inéditos mostram conversa entre pilotos e controle aéreo
Um conjunto de áudios inéditos revela parte das últimas comunicações entre a tripulação do voo 2283 da Voepass e o controle de tráfego aéreo de São Paulo pouco antes da queda da aeronave em Vinhedo (SP) que matou 62 pessoas em 9 de agosto de 2024. Ouça acima.
Apesar do contato constante com os controladores, em nenhum momento os pilotos indicam qualquer tipo de pane ou emergência. As falas são tranquilas e seguem o padrão de comunicação esperado para uma aproximação para o pouso.
O g1 teve acesso à troca de mensagens em duas frequências diferentes, utilizadas conforme a posição da aeronave no espaço aéreo, e cruzou com as informações das caixas-pretas. As últimas comunicações externas dos pilotos, feitas em uma terceira frequência, não estão nos áudios obtidos.
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🔎 Essa troca de frequências é um procedimento comum na aviação e ocorre à medida que o avião cruza regiões sob responsabilidade de diferentes centros de controle.
Esta reportagem integra um conteúdo especial do g1 após 1 ano da queda do voo 2283, a maior tragédia da aviação brasileira em quase duas décadas. Na próxima quarta-feira, 6 de agosto, será lançado no portal o web-documentário "81 segundos", que reconta o desastre. Veja o trailer abaixo:
'81 segundos': assista ao teaser do documentário sobre a tragédia aérea em Vinhedo
Neste sábado, o g1 trouxe à tona um depoimento exclusivo de um ex-funcionário que presenciou a última manutenção do ATR 72-500, na madrugada antes da queda, e revelou que, horas antes de decolar, o avião da Voepass apresentou uma pane no sistema de degelo. A falha, que impediria o avião de viajar para Cascavel, foi omitida do diário de bordo e ignorada pela liderança da manutenção.
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Alertas de gelo e de baixa velocidade piscaram minutos antes da queda
O que revelam os áudios
As mensagens trocadas entre a tripulação do voo e o controle de tráfego aéreo revelam a sequência de instruções e respostas nos minutos finais antes da queda. A comunicação começa às 13h14min21s, com uma orientação para mudança de frequência.
13h14min21s
Controle: “Passaredo 2283, por gentileza, chame o controle de São Paulo na frequência 135,75 MHz”.
Piloto: “135,75, vai chamar Passaredo 2283. Obrigado”.
13h14min36s (já na nova frequência)
Piloto: “São Paulo, Passaredo 2283, informação Sierra (Sierra é a letra "S" no alfabeto fonético usado na comunicação na aviação. Aqui, ele dizia estar ciente sobre as informações meteorológicas do aeroporto de destino, que são divulgadas gradualmente ao longo do dia nomeadas por letras)
13h14min40s
Controle: “Passaredo 2283, confirme como recebe o controle”.
Piloto: “Com eco, senhora”.
13h14min49s
Controle: “Ok, Passaredo 2283, por gentileza retorne à frequência 120,925 MHz”.
Piloto: “120,925 vai retornar”.
13h14min59s (de volta à frequência anterior)
Piloto: “São Paulo, Passaredo 2283”.
Controle: “Passaredo 2283, grata pela gentileza. Mantenha nível 170 [5 mil metros de altitude]”.
Piloto: “170 vai manter. Não por isso, senhora”.
Minutos depois, a tripulação avisou estar no ponto ideal para iniciar a descida, mas recebeu instrução para manter a altitude. Pouco depois, veio o último áudio disponível.
13h18min21s
Piloto: “Ponto ideal de descida, o Passaredo 2283”.
Controle: “Passaredo 2283, mantenha nível 170”.
Piloto: “Mantendo nível 170, Passaredo 2283”.
13h18min53s
Nesse momento, o painel tinha acabado de indicar pela primeira vez, segundo a caixa-preta, o alerta de que a aeronave estava perdendo velocidade, mas não há menção a esse fato.
Controle: “Passaredo 2283, chame o controle São Paulo na frequência 123,25”.
Piloto: “123,25 vai chamar o 2283. Obrigado”.
Cerca de 30 segundos depois dessa comunicação, o painel indicou mais um mais alerta, agora de um segundo estágio, mais grave, de perda de velocidade da aeronave.
Linha do tempo mostra comunicações de pilotos do voo 2283 com controle aéreo antes da queda
Gabriella Ramos/g1
O que não está nos áudios
O g1 não teve acesso aos primeiros contatos da aeronave com o Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP), por volta das 13h05, nem às comunicações finais, a partir das 13h19min07s, quando os pilotos mudaram a frequência.
Nessas últimas mensagens, que constam descritas no relatório preliminar do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), os pilotos fizeram uma nova chamada, informaram estar no ponto ideal de descida e seguiram recebendo orientações para manter o nível de voo.
Também não houve, nesses momentos, qualquer indicação de emergência ou situação fora do normal segundo o Cenipa.
Cena do documentário '81 segundos', sobre a tragédia aérea em Vinhedo (SP)
Rodrigo Coutinho/QPS
Comprometimento da aeronave e alertas na cabine
Apesar da comunicação protocolar com a torre, o relatório preliminar do Cenipa, elaborado com base nas informações das caixas-pretas, revelou que, dentro da cabine, o acúmulo de gelo já vinha comprometendo o desempenho da aeronave.
Alertas luminosos e sonoros de detecção de gelo e de queda na velocidade surgiram no painel do ATR 72-500 da Voepass enquanto a tripulação se comunicava com o controle de tráfego aéreo, com passageiros e com uma comissária.
Veja a seguir alguns cruzamentos das informações de comunicação dos pilotos com o que acontecia na aeronave no mesmo momento.
Às 13h17min20s:
(3 min e 49 segundos antes da perda de controle do avião)
Avião: o relatório aponta que o detector de gelo que estava aceso tinha acabado de se apagar.
Pilotos: nesse momento, o copiloto estava solicitando informações à comissária a fim de transmiti-las ao despachante operacional;
Às 13h17min32s:
(3 minutos e 37 segundos antes de a aeronave perder o controle):
Avião: o aviso do detector de gelo voltou a aparecer no painel.
Pilotos: nesse momento, o comandante estava informando os passageiros sobre as condições e o horário previsto para o pouso em Guarulhos;
Às 13h18min41s:
(3 minutos e 8 segundos antes de a aeronave perder o controle):
Avião: desacelera para a velocidade de 353 km/h e, com isso, é exibido o alerta "CRUISE SPEED LOW", com tom sonoro único, sinalizando aos pilotos que o gelo está impedindo que o avião mantenha a velocidade que foi programada para o voo.
Pilotos: o copiloto “estava terminando de repassar algumas informações ao despacho operacional”, segundo o relatório;
Às 13h18min55s:
(2 minutos e 14 segundos antes de a aeronave perder o controle)
Avião: um tom de alarme único foi ouvido na cabine.
Pilotos: Simultaneamente, o comandante falava com o controle de tráfego aéreo;
Às 13h19min28s:
(1 minutos e 41 segundos antes de a aeronave perder o controle):
Avião: a velocidade do avião cai para 340 km/h, e, com isso, é exibido o alerta "DEGRADED PERFORMANCE", que indica que a performance do avião está degradada por conta da formação de gelo na aeronave .
Pilotos: o alarme, segundo o relatório, “foi acionado concomitantemente com as trocas de mensagem entre o APP-SP [controle de tráfego aéreo] e a tripulação”;
Às 13h20min00s:
(1 minutos e 9 segundos antes de a aeronave perder o controle):
Pilotos: o copiloto comentou: “bastante gelo”;
Avião: 5 segundos depois o sistema de degelo é ligado por eles
Às 13h21min09s:
O controle da aeronave foi perdido;
Às 13h22min30s:
Colisão com o solo.
'Cintos atados', disse co-piloto em 1º trecho da viagem
Horas antes da queda, durante o voo de ida para Cascavel, o copiloto do 2283, Humberto Alencar, enviou um áudio à esposa relatando as condições meteorológicas. Na gravação, ele mencionou turbulência e formação de gelo no trecho.
“Foi tudo bem, graças a Deus, tirando a turbulência, né? 90% turbulência, gelo. 90% do voo foi com o cinto atado, sinal luminoso de cintos atados. Mas foi tudo bem. A gente conseguiu tomar um cafezinho, pelo menos, conversamos bastante", contou.
Duas caixas pretas do ATR-72 da Voepass, que caiu em Vinhedo, estão em poder da equipe do Cenipa para investigação sobre o acidente.
Reprodução/Jornal Nacional
Avisos de outros pilotos
Além dos sinais de gelo detectados na própria aeronave, houve pelo menos três relatos ao controle de tráfego aéreo de São Paulo sobre formação de gelo na região em horários próximos ao acidente. Os áudios a seguir também foram obtidos pelo g1:
Às 13h15, cerca de sete minutos antes de o voo 2283 colidir com o solo, a aeronave TAM 3361 informou:
“Gelo moderado nível 190 próximo ao GR249 [região perto de Viracopos].”
O controle respondeu:
“Ciente, TAM 3361, desça para nível 170 sem restrição.”
Às 13h26, cerca de quatro minutos após o acidente, o voo 2325 relatou:
“449 está pegando gelo desde EVRAL [região próxima a Itu].”
Às 13h27, cerca de cinco minutos após o acidente, o controle avisou o Gol 7481:
“Desça ao nível 140. Fique atento, foi reportado gelo aí a cerca de 12 horas [expressão que indica que há algo à frente], mais ou menos na posição 252.”
O piloto respondeu:
“Gelo leve, estamos cientes.”
Investigação
Segundo Carlos Eduardo Palhares, diretor do Instituto Nacional de Criminalística, os dois pilotos do voo 2283 tinham treinamento para voar em condições de gelo, e a questão central é entender se os procedimentos adotados estavam de acordo com esse preparo.
“O que a investigação está fazendo é tentando analisar se os procedimentos que deveriam ter sido realizados e não foram realizados, por que eles não foram realizados? Será que foi uma decisão daquele momento? Ou será que foi uma decisão ocasionada por condições anteriores?", afirmou.
Segundo o perito, o momento da tragédia não deve ser analisado isoladamente. “O histórico da condição da manutenção ou dos reportes de problemas em voo deve ser levado em consideração, porque quando a gente fala em acidente aeronáutico, a gente fala da segurança de todos nós”.
A Polícia Federal está em fase de coleta de depoimentos no inquérito que apura ação criminosa na tragédia e não comenta hipóteses até que haja a conclusão do inquérito. O delegado-chefe da PF em Campinas, responsável pela investigação, disse ao g1 que busca entender as condutas dos profissionais que podem ter contribuído para o resultado da queda do avião.
"O problema maior dessa investigação está em entender não só a máquina, mas entender quais são as condutas, quais são as rotinas da aeronáutica que estão relacionadas à queda da aeronave.", afirma o delegado-chefe da Polícia Federal em Campinas, Edson Geraldo de Souza.
O gelo e a queda
Desde o dia do acidente, especialistas ouvidos pelo g1 e pela GloboNews afirmaram que a formação de gelo no avião pode ter sido um fator para a queda, mas que não existe um fator único que cause um acidente.
O Cenipa evitou apontar uma linha principal de investigação, mas o relatório preliminar do órgão citou a averiguação dos sistemas de degelo da aeronave e a análise do desempenho técnico dos tripulantes como "linhas de ação" dos investigadores para a construção do relatório final.
O relatório final não tem prazo para ser divulgado, mas o Cenipa informou à EPTV, afiliada da TV Globo no interior de São Paulo, em entrevista gravada no último mês que as equipes trabalham para entregar as conclusões até o fim de 2025..
Motores do avião que caiu e matou 62 pessoas em Vinhedo (SP) são retirados do local do acidente e serão levados para São Paulo
Cenipa/FAB
O acidente
O avião com 58 passageiros e quatro tripulantes caiu no condomínio Residencial Recanto Florido, no bairro Jardim Florido, no início da tarde.
A aeronave decolou às 11h58 e o voo seguiu tranquilo até 12h20. Segundo a plataforma Flightradar, avião subiu até atingir 5 mil metros de altitude às 12h23, e seguiu nessa altura até as 13h21, quando começou a perder altitude.
Nesse momento, a aeronave fez uma curva brusca. Às 13h22 — um minuto depois do horário do último registro — a altitude estava em 1.250 metros, uma queda de aproximadamente 4 mil metros. A velocidade dessa queda foi de 440 km/h.
A aeronave atingiu o quintal de uma casa do condomínio e os moradores saíram ilesos. Ninguém em solo ficou ferido. O morador da residência atingida afirmou que a família ficou em choque.
O que diz a Voepass
Escombros de avião em Vinhedo (SP) neste sábado, dia 10 de agosto de 2024
Nelson Almeida/AFP
Em nota, a Voepass informou que a queda do voo 2283 foi “o episódio mais difícil” da história da companhia e que, um ano após a tragédia, segue “solidária às famílias das vítimas”, mantendo “suporte psicológico ativo” e apoiando homenagens realizadas ao longo do período.
A empresa afirmou que “sempre atuou cumprindo com as exigências rigorosas que garantem a segurança” das operações e que a frota “sempre esteve aeronavegável e apta a realizar voos”, conforme padrões internacionais.
A companhia também afirmou que colabora com as investigações em andamento e reafirmou compromisso com a apuração dos fatos e com “a melhoria contínua nos processos de segurança da operação aérea”.
Confira abaixo as duas notas enviadas pela Voepass à reportagem:
Nota 1
No dia 9 de agosto de 2024, vivemos o episódio mais difícil de nossa história. A queda do voo 2283, na região de Vinhedo (SP), resultou em perdas irreparáveis.
Um ano depois, seguimos solidários às famílias das vítimas, compartilhando uma dor que permanece presente em nossa memória e em nossa atuação diária. Em mais de 30 anos de operações na aviação brasileira, jamais havíamos enfrentado um acidente.
Desde o início de nossa trajetória, sempre priorizamos a segurança, o respeito à vida e a integridade em todas as nossas decisões. A tragédia nos impactou profundamente e mobilizou toda a nossa estrutura, humana e institucional, para garantir apoio integral às famílias, nossa prioridade.
Nas primeiras horas após o acidente, formamos um comitê de gestão de crise e trouxemos profissionais especializados — psicólogos, equipes de atendimento humanizado, autoridades públicas, seguradoras, além de suporte funerário e logístico.
Desde o início, nosso cofundador, José Luiz Felício Filho, esteve à frente das ações, participando pessoalmente das reuniões com os familiares. Também apoiamos a participação das famílias na primeira reunião oficial com o CENIPA para a apresentação do relatório preliminar.
Temos atuado de forma transparente junto às autoridades públicas e seguimos empenhados na resolução das questões indenizatórias, já em estado bastante avançado. Mantemos o suporte psicológico ativo e continuamos apoiando homenagens realizadas pelas famílias ao longo deste ano. Nos solidarizamos com toda a forma de homenagem às vítimas do acidente.
Seguimos colaborando com as investigações em andamento, reafirmando nosso compromisso com a apuração dos fatos e contribuindo com a melhoria contínua nos processos de segurança da operação aérea. Continuamos caminhando com responsabilidade, humanidade e empatia. Nossa solidariedade permanece firme — com os familiares das vítimas, com toda sociedade brasileira.
Nota 2
A VOEPASS informa que sempre atuou cumprindo com as exigências rigorosas que garantem a segurança das suas operações aéreas e reitera que sua frota sempre esteve aeronavegável e apta a realizar voos, seguindo exigências de padrões de segurança internacionais, inclusive tendo a certificação IOSA, um requisito de excelência operacional emitido apenas para empresas auditadas IATA, além do acompanhamento periódico da ANAC como agência reguladora. Em 30 anos de atuação, em um setor altamente regulado, a segurança dos passageiros e da tripulação sempre foi a prioridade máxima da companhia.
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